Um poema - por Ninguém

17/07/2020

Nono movimento da rua a nos pegar desprevenidos.


É DEZEMBRO E CHOVE

algo na terra já sabia disso

desde o vento, até no sol antes da chuva

mas a gente toda ainda esperava

a previsão da TV


a previsão do tempo disse:

não esqueça a capa as botas

a galocha o guarda-chuva

a previsão previu preveniu:

o uniforme-contra-a-chuva


as festas estão chegando

era certo que chegariam

mas há algo de urgente, de atraso

ou de uma antecipação ofegante nas ruas

nas pessoas que saem às compras


chove

era certo que choveria

toda chuva é antes um rumor

uma notícia insabida, já sabida

mesmo assim a chuva quando desabou

pegou toda a gente desprevenida

que atarantada tentava

abrir o guarda-chuva, que travava

a capa dobrada, enrugada

animal sonolento sem pé nem cabeça


mas logo a chuva não será

mais que um sussurro, uma garoa

a flutuar como cinzas sobre a cidade

ainda haverá um espanto, não tumulto

como se um incêndio houvesse terminado


talvez por certa mecânica que sucede às catástrofes

a gente se manterá protegida pelos guarda-chuvas

contra um céu que não tem mais nada a dizer

enquanto uma parte do que dele resta

sobre o asfalto outro céu

agora morre, escorre

para os bueiros


outra parte encontrará o que na cidade ainda é terra

a terra que reconhecera o céu desde o vento

e agora o recolhe, água que a penetra até seu fundo silêncio

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