Um poema - por Ninguém
Nono movimento da rua a nos pegar desprevenidos.
É DEZEMBRO E CHOVE
algo na terra já sabia disso
desde o vento, até no sol antes da chuva
mas a gente toda ainda esperava
a previsão da TV
a previsão do tempo disse:
não esqueça a capa as botas
a galocha o guarda-chuva
a previsão previu preveniu:
o uniforme-contra-a-chuva
as festas estão chegando
era certo que chegariam
mas há algo de urgente, de atraso
ou de uma antecipação ofegante nas ruas
nas pessoas que saem às compras
chove
era certo que choveria
toda chuva é antes um rumor
uma notícia insabida, já sabida
mesmo assim a chuva quando desabou
pegou toda a gente desprevenida
que atarantada tentava
abrir o guarda-chuva, que travava
a capa dobrada, enrugada
animal sonolento sem pé nem cabeça
mas logo a chuva não será
mais que um sussurro, uma garoa
a flutuar como cinzas sobre a cidade
ainda haverá um espanto, não tumulto
como se um incêndio houvesse terminado
talvez por certa mecânica que sucede às catástrofes
a gente se manterá protegida pelos guarda-chuvas
contra um céu que não tem mais nada a dizer
enquanto uma parte do que dele resta
sobre o asfalto outro céu
agora morre, escorre
para os bueiros
outra parte encontrará o que na cidade ainda é terra
a terra que reconhecera o céu desde o vento
e agora o recolhe, água que a penetra até seu fundo silêncio