Um poema - por Ninguém
Sexto movimento-feminístico da rua em lume.
A ESPOSA DO FERREIRO
subia a rua aos domingos
ia à casa do senhor
rezava baixinho, comungava
depois dava o braço ao marido
a mão ao filho
calava
voltava cabisbaixa
cabelo preso por uma vareta
lança enterrada na cabeça
a boca uma linha muda
e curta na face de cera
sob a saia tinha pernas
pois andava
e cuidava a direção dos sapatos
por que nome atendia?
não atendia
era a mulher do ferreiro
aquele cujas grades e portões de ferro
guardam as casas do mal que vem da rua
mas por trás de uma porta de madeira
opaca
antiga como os séculos
como os rios, como o cio
a mulher do ferreiro se encerrava
por sete dias
pois foi que num domingo incrédulo
um dia de brisa débil
soltou-se um feixe do cabelo
da esposa do ferreiro
embora sentisse uma perturbação
naquela pequena ordem
e os pés cogitassem outras ações
a mulher seguiu atada a seus homens
não ergueu os olhos
e não soube se alguém vira
as serpentes douradas
(górgona ignorada?)
haja um olho assistido ao evento...
e entrevisto ou imaginado
o animal que é seu cabelo
que por sete dias
ela penteia como para o domar
enquanto as grades e os portões
de todas as casas da rua
silenciosamente gestam
a
ferrugem que as vai devorar