O Cavaleiro da Esperança: Biografia Romanceada, por Ângela Fonseca
Jorge Amado construiu uma versão da vida de Luiz Carlos Prestes no livro entitulado "Cavaleiro da Esperança" e nos mostrou um Carlos Prestes mais personagem do que pessoa. A biografia é conduzida por uma escrita com tons "poéticos", apesar de ser prosa:
"Te contarei a história do Herói, amiga, e então não terás jamais em teu coração um único momento de desânimo. Como naquelas noites em que o seu nome, balbuciado por vezes a medo, afastava a amargura e o terror, agora eu falarei dele pra que tu e o povo do cais que me ouve saibam que podem confiar e que a noite não é eterna. Eterna no mundo, amiga, só o povo e a memória dos seus Heróis e dos seus Poetas. É curto o tempo dos tiranos, é curta a noite da escravidão. E tão bela é a manhã da liberdade que vale a pena morrer por ela, dar a vida pela certeza de que ela vem, que chegará para os homens. Mas, ah!, amiga, morrer é fácil, seja por uma mulher, seja pela liberdade! Difícil é viver uma vida de sofrimento e de luta, sem desanimar e sem desistir, sem se vender, sem se curvar. Mais que a morte, a liberdade pede a vida de cada um, todos os seus momentos, todas as suas forças." (AMADO, 2011,p.10)
Amado escreveu a biografia baseada em depoimentos de "camaradas" que vivenciaram a Coluna Prestes, depoimentos de dona Leocádia, mãe de Prestes, todos motivados por uma admiração pelo líder Comunista.
O escritor faz uso, segundo Matheus de Mesquita e Pontes (2011), das memórias da mãe de Prestes (Dona Leocádia), e descreve que "o livro relata "memórias autorizadas", credenciando a veracidade do narrado, buscando assim, tornar-se uma memória real de um grupo social mais amplo: a nação e o mundo". Jorge Amado reconstrói o passado através destes relatos. Tais vozes narrativas misturadas e vivificadas pode se remeter à "polifonia bakhtiniana", na qual toda narrativa é uma pluralidade de vozes. Conforme Bakhtin (2003):
A voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra comum do autor [...] A voz do herói possui independência excepcional na estrutura da obra, é como se soasse ao lado da palavra do autor coadunando-se de modo especial com ela e com as vozes plurivalentes de outros heróis. (BAKHTIN, 2003: 3)
Mas o que fez com que Jorge Amado escrevesse a biografia de Luís Carlos Prestes? Um dos motivos foi que o escritor acreditava na existência de uma ""dívida"" a ser paga ao filho de dona Leocádia, dívida essa que se originou da seguinte situação:
A moderna literatura brasileira, aquela que deu aos grandes romances sociais, os estudos de sociologia, a reabilitação do negro, os estudos históricos, resulta diretamente do ciclo de movimentos iniciado em 22 que só encontrará seu término com o pleno desenvolvimento da revolução democrático-burguesa, 22, 24, 26, 30 e 35 trouxeram o povo à tona, interessaram-no nos problemas do Brasil, deram-lhe uma ânsia de cultura da qual resultou o movimento literário atual. E como Luís Carlos Prestes foi e é a figura máxima de todos esses movimentos, chefe, condutor e general, a sua ligação com a moderna literatura brasileira é indiscutível. E essa literatura não tratou dele, da sua figura em nenhum momento (AMADO, 2011, p. 24).
Jorge Amado pensou que seu livro poderia servir "(...) como o pagamento de uma dívida de toda uma nação de escritores para com um líder do povo" (AMADO, 2011, p. 25). Também segundo Pontes, Jorge Amado pretendia utilizar O Cavaleiro da Esperança para transmitir os ressentimentos políticos do grupo social do qual fazia parte. Assim, ele partiu, em sua obra, para mitificação de Prestes e o apresentou como o grande líder do povo, o único homem capaz de derrotar o governo varguista e, dessa forma, instituir no Brasil um governo democrático.
O livro em questão foi escrito para ser uma arma "na luta pela anistia, pela democracia e contra o Estado Novo, mas principalmente contra o fascismo (...)" (AMADO, 2011, p. 11).
Durante o exílio, Jorge Amado permaneceu longe de seus livros e de suas fontes de informação. Por causa disso, ele encontrou dificuldades para escrever a biografia de Prestes. Apesar da distância mantida em relação a suas fontes, ele recorreu a alguns grupos sociais para realizar a tarefa em questão. Dessa forma, ele se correspondeu com a família do biografado, sondou membros da Frente Popular e consultou pessoas que fizeram parte da Coluna Prestes.
Na narrativa Amadiana, observa-se que sua escrita foi pautada pela ideologia política do escritor na estima dele por Prestes. Em O Cavaleiro da Esperança, uma visão poética de Luís Carlos Prestes é apresentada ao leitor por Jorge Amado. Este passa, então, a ser o intermediador de um encontro que se dá entre o leitor de sua obra e uma imagem do homem revolucionário definida por sues escritos e não pela História. Trata-se, portanto, da imagem ou da visão de Jorge Amado sobre Prestes. Logo nas primeiras páginas dessa narrativa, Prestes é apresentado como o homem que nasceu em terras onde "(...) nascem os homens valentes (...)" (AMADO, 2011, p. 33), no país (leia-se Rio Grande do Sul) "(...) da coragem sobre todas as coisas" (AMADO, 2011, p. 33).
E seu nascimento marca o momento em que começa o fim dos tempo dos ""tiranos"". Seu nascimento é a constatação de que os brasileiros esmagados pelo governo já tinha adquirido suficiente força para derrubar os tiranos e ganhar a liberdade. Porque essa raça já tinha tanta força e tamanha necessidade que, por fim, havia produzido o Herói (AMADO, 2011, p. 35).
Esse herói, nas palavras do narrador, trazia em seus olhos, desde o berço, o brilho de uma estrela, um brilho tão forte que assustou a empregada da família. Ela viu essa luz ardente e se lembrou dos seus deuses. Viu nela "Oxóssi rompendo as selvas, Xangô lançando os raios na batalha, vencendo as guerras, Zumbi forjando a liberdade" (AMADO, 2011, p. 52).
Durante toda a narrativa que o autor ao mesmo tempo que constrói a figura de um herói político brasileiro, ele conta de uma forma poética, a luta do povo oprimido pelo governo e exalta as Terras Brasileiras e a cultura do país, assim como também os elementos folclóricos e religiosos.
AMADO, Jorge. O Cavaleiro da Esperança. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora Círculo do Livro/Record, 2011
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003