Deborah Erê: as sereias somos nós, por Luana Aguiar
Graffiti. Impossível não lembrarmos quando, em janeiro de 2017, o prefeito de São Paulo, João Dória, mandou apagar os murais da Avenida 23 de Maio - na qual constavam graffitis de mais de 200 artistas -, com o objetivo de "embelezar" a cidade, declarando guerra contra pichadores, grafiteiros e artistas de rua, em geral. Leia-se "embelezar" por: "higienizar" a cidade de tudo aquilo que remeta a qualquer manifestação artística de uma cultura não-branca.
O projeto "Cidade Linda" e a tinta cinza nos muros de São Paulo foram a alegoria perfeita para o projeto de higienização de Dória e, mais do que isso, de silenciamento das artes de rua. Estas que já buscam, incessantemente, mostrar-se presentes, significativas, além de lutarem contra os ditames de uma sociedade racista, misógina, patriarcal e contra o estereótipo, tão enraizado, de "vandalistas". Se o graffiti é a voz do artista para a sua comunidade, a tinta cinza e fúnebre de Dória foi, naquele momento, a mordaça.
No entanto, tais tentativas de sufocamento das artes ditas marginalizadas não passam de tiros no pé. Malsucedida, a guerra de Dória contra os artistas de rua, por exemplo, transformou-se em alavancas para a projeção e potencialização dos artistas. Felizmente, grafiteiros e artistas de rua continuam resistindo cada vez mais.
É com esse olhar que nos debruçamos sobre a arte de Deborah Erê, artista plástica de formação e grafiteira, desde 2012. Nascida em São Caetano do Sul (SP) e residindo em Manaus desde 2015, Erê se expressa, principalmente, através do graffiti e, mais recentemente, desde 2018, como tatuadora no seu ateliê/estúdio Casa da Sereia 092. Mesmo com pouco tempo de atuação, é considerada uma representante de peso para o movimento grafiteiro manauara: fundou os coletivos feministas Espaço Marciana e Mãe de Rua, produziu e participou de dezenas de eventos de Hip Hop nacionais e internacionais e expôs e grafitou em diversas oficinas, mostras de arte coletivas e individuais.
Os graffitis de Erê são facilmente reconhecidos, nos muros de Manaus, pelas suas sereias. Estas refutam a ideia da sereia mitológica como um ser malicioso do mar e, também, estabelecem um contra-discurso à representação das sereias "modernas", consagradas pelo senso comum dentro de uma uniformização de beleza ocidental: brancas, magras, loiras e, por isso, sedutoras. Refutando o mito da beleza feminina, as sereias de Deborah Erê são mulheres de todas as idades, etnias, tons de pele, formatos de corpo, tipos de cabelo. São mulheres com tatuagens, cicatrizes, estrias, peitos caídos e pelos no corpo. Isto é, buscam representar todas as mulheres, que são, em si, plurais e heterogêneas. Além disso, resgatam elementos de concepção do universo e da natureza, ligando a mulher - sobretudo a mãe - à criação.
Deborah Erê dialoga com o discurso feminista que questiona a representação feminina nas artes. A crítica feminista, desde há algumas décadas, tem se ocupado em revisitar, analisar e questionar, seja nas artes plásticas, na literatura ou no cinema, a representação das mulheres nessas artes - relegada há muito sob os vieses masculinos. Com uma maior projeção de artistas mulheres, ou seja, a mulher agora falando e representando a si mesma, notamos o surgimento de uma pluralidade de trabalhos e olhares sobre o feminino, como Erê realiza.
As mulheres-sereias de Deborah Erê representam a força e o poder feminino - que somos todas nós.
Para conhecer mais sobre a artista acesse https://cargocollective.com/deborahere.