Cartas a Anna (3), por Luana Aguiar
11 de janeiro de 2018.
Há alguns dias, enquanto caminhava pela Liberdade, vi uma gata de rua com três filhotes; deviam ter sido paridos ali, há poucas horas, naquela caixa de papelão. Havia alguns grãos de ração jogados como que por pena para que a gata-mãe não morresse de fome ou de fraqueza, talvez por algum passante pseudo-comovido ou algum morador das redondezas, ou até mesmo da rua, como a gata, talvez.
A gata-mãe tinha uma marca singular, uma divisão perfeita, no meio do rosto, das duas pelagens, alaranjada e preta, o resto do pequeno corpo era uma mistura das duas. Ela ainda parecia ofegante pelo trabalho de parto, os olhos baixos e a língua para fora da boca. Um trabalho de parto solitário e injusto, como a vida é injusta aos animais de tantas formas. Os filhotes, ainda inconscientes de uma existência no mundo, de olhos fechados, cambaleavam a procura de alguma teta da mãe para se nutrirem. Observei aquela cena sabe Deus por quanto tempo até decidir levá-la com os recém-nascidos para o meu apartamento. Batizei-a de Anna.
Pensei que se tu morasses aqui comigo, talvez, tu ficasses feliz se eu a tivesse levado para casa como uma surpresa. Tu terias, no início, ficado preocupada com as despesas que cuidar de animais nos traria, mas em alguns minutos ficarias apegada a eles, cuidadosa do jeito que és, e teria dado nome de flores para cada um deles, ou de planetas e de estrelas... E embora tu não estejas aqui para vê-los, Anna, sei que ficarias feliz se soubesses do que fiz, se essa carta chegasse até ti.
Enquanto sei que isso não é possível, cuido da gata-mãe Anna como se fosse tu com os teus filhos, como se fosse tu necessitada da minha ajuda e me sinto, pelo menos, um pouco mais perto de ti, como já fomos há muito.