A nova arte
Por Victor Leandro
-Então chegaram.
-Sim.
-Mas quem são?
-O DEMOA
-Quê?
-DEMOA. Departamento de Ética e Moral das Obras Artísticas.
-Ah, sim.
-Pois é, sim.
-E o que os traz ao nosso venerável museu?
-Precisamos promover algumas alterações no acervo.
-Ah, bem. Espero que não tenham nada contra o nu artístico.
-O nu? De forma alguma. Nosso problema é outro, definitivamente.
-E qual é, ainda que mal lhe pergunte?
-Bem, não podemos celebrar artistas que são maus exemplos.
-Ah, compreendo.
-Que bom.
-Fui eu que os convidei. Eles só vêm quando convocados. Não são opressores.
-Jamais poderia pensar algo do tipo.
-Mas,
-Mas,
-Uma vez aqui, precisamos fazer nosso serviço.
-À vontade.
-Podemos começar por este vaso grego.
- O que há com ele?
-Com ele, nada. Mas descobrimos que seu autor era um psicopata em Atenas.
-Verdade?
-Sim, por pesquisas fidedignas.
-Bem, então não há o que fazer.
-Exato. Bom que concorda.
-Que mais?
-Há ainda aquela escultura. Sabe que o responsável por ela abandonou a mulher no hospício, não?
-Sim, lamentável. Mas achei que o episódio tivesse sido superado.
-De nenhum modo. A obra está maculada por essa lembrança.
-Oh,
-Já este original de livro é de um apoiador de um nazismo.
-Que eu saiba, ele se retratou.
-Está aí uma coisa que pouco importa.
-É.
-Sinto muito em dizer, porém aqui na entrada tem um erro seu. Permitiu que deixassem afixar um verso do famoso poeta.
-Sim, o que muito me honra.
-Pois já deve estar cônscio de que a nova biografia dele dá conta de que abandonou na Europa um filho adoentado.
-Vai precisar retirá-lo?
-Inapelavelmente, será destruído.
-Pois sim.
-O que foi? Por que está concentrado aí no aparelho?
-Acabo de receber uma informação.
-E?
-Na verdade não é algo novo, contudo agora tem um laudo dos especialistas.
-Sobre o quê?
-É a respeito do prédio do museu. Como também deve ser de seu conhecimento, todo ele fora construído por meio da exploração de imigrantes, com vários casos de maus tratos e mortes, bem como o teatro à frente. Há quem diga mesmo que se serviram de mão de obra escrava.
-E qual a solução?
-Nenhuma, a não ser demoli-los.
-Isso será triste.
-Sim, por certo. Porém há valores mais importantes.
-Não discordo.
-Creio mesmo nisso.
-Então, tem a chave aí?
-Tenho.
-Ótimo. Seria bom logo tratar de mandar embora os visitantes.
-Sem dúvida. É isso que farei imediatamente. Sabe, pensando bem, sinto um grande alívio pelo que estão realizando. Não poderia imaginar seguir ao lado de obras tão torpes em sua origem. Muito obrigado, senhores do crivo.
-Não agradeça. Tudo que fazemos não passa de nosso ofício.