A cidade e seus cúmplices, por Victor Leandro
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Uma intervenção artística verdadeira é sempre um ato de insurgência e, como tal, está permanentemente exposta às opressões perpetradas pelos aparelhos dominantes. É ingênuo achar que ela ocorrerá sem contrafluxo. Se assim for, será porque esta não passou de esquecível.
João não pensava muito nisso enquanto ia a passos velozmente enlouquecidos pelo entorno da igreja da Matriz. Questionava apenas como poderia estar no instante a postos todo um contingente de oficiais à paisana e outros com seus cacetetes. Sim, alguém os delatou a tempo. Quando chegaram estavam já prometidos. Mas não consegue suspeitar quem foi. Não tem importância. Fugir é o que interessa no momento.
O relógio marcava quase 23. Das cadeiras no porto, avistavam-se as águas tranquilas. Lentamente, os sons diminuíam, e sua respiração acompanhava esse ritmo que ia se tornando de sossego. Até que uma hora pôde contemplar até mesmo as luzes esparsas entre as silhuetas das árvores e o Negro. Conseguira fugir. Precisava saber então por onde andavam os amigos.
Não houve qualquer acusação, muito menos crime.
Sabiam. As coisas eram assim dessa maneira. Bastava gritar um protesto e ser
pobre, índio ou negro, que imediatamente virava um sacrílego terrorista, com
direito à execução sumária. Só faltava terem acendido a fogueira. Contudo, não
nos assustarão com tais meios. Mais trabalho terão ainda se quiserem calar seus
nomes. A arte não é nula. A luta é isso.